A conciliação no âmbito judicial se encontra instituída na legislação brasileira há bastante tempo, é aplicada nas causas cíveis em geral e, com maior ênfase, naquelas relativas à vara de família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei nº 9.099/95; também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos evitando-se a instauração de uma ação penal.
Não obstante, ainda é alto o índice de rejudicialização (ajuizamento de novos processos entre as mesmas partes, quando o término do processo anterior - por meio consensual ou não - foi insuficiente para harmonizar o relacionamento entre as partes); também na área criminal e na de infância e juventude, são elevados os índices de reincidência e a reiteração de questões conflituosas envolvendo as mesmas pessoas, famílias e comunidades.
Nesse cenário, e sem falar na sofrida demora de uma instrução processual, reconhece-se que o processo judicial tradicional não é suficiente para que o Judiciário cumpra sua missão de resolver as demandas que se lhe apresentam.
Impõem-se, então, outros métodos que ofereçam a possibilidade de tratamento dos conflitos de forma mais adequada. Hoje a legislação já admite e incentiva os chamados métodos adequados de solução de conflitos (MASCs), prevendo expressamente a mediação, a arbitragem e outros (art. 3º, §§ 2º e 3º), e o CNJ estabelece, como incumbência dos órgãos judiciários, oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, inclusive como forma de disseminar a cultura de pacificação social (Resolução nº 125/2010).
Além disso, a crise em que chegou a Justiça recentemente gerou, como efeito positivo, uma maior abertura para abordagens transdisciplinares, inovadoras e sistêmicas, desapegadas do legalismo estrito e das funções tradicionalmente reservadas ao magistrado. Nesse sentido, o CNJ editou aResolução Nº 225 de 31/05/2016, instituindo a Justiça Restaurativa, à qual cada vez mais juízes vêm se dedicando.
Nesse contexto é que os tribunais brasileiros vêm acolhendo e disseminando de forma exponencial as práticas de constelações familiares e de direito sistêmico, desde que as nossas primeiras experiências com palestras vivenciais, iniciadas na Bahia em outubro de 2012, começaram a mostrar impactos profundos e emocionantes, não só em relação às partes nos processos, mas também na postura e na vida de advogados, servidores e suas famílias.
Na Vara de Família, as primeiras estatísticas mostraram soluções conciliatórias em índices superiores a 90% dos processos e as experiências mais recentes, outras comarcas pelo Brasil obtiveram resultados semelhantes.
Em casos de adolescentes envolvidos em atos infracionais, o índice de reincidência após um ano foi inferior a 15% - muito menor que o normalmente obtido com a mera aplicação de medidas socioeducativas tradicionais.
No aspecto qualitativo, os resultados são mais marcantes, quando vemos casos como o de um homem e uma mulher que, pelo conflito oriundo da separação do casal e após anos de litígios, geradores de 25 processos (incluindo ações de divórcio, guarda dos filhos, alimentos, execuções, denúncias criminais de fraude empresarial e de violência doméstica), participam de uma constelação e, poucos dias depois, realizam um acordo que põe fim a todos eles e agora se tratam como amigos; o caso de um homem, conhecido na cidade como baderneiro, frequentador da delegacia de polícia, réu em ação penal sob acusação de homicídio, que passa a frequentar as sessões de constelação no fórum e poucos meses depois deixa de perambular pelas ruas, começa a trabalhar e reaproxima-se da família; ou o de um adolescente acolhido numa instituição porque seus pais não puderam criá-lo e que, aos 17 anos sem ter encontrado uma família adotiva, envolvido com traficantes e tido como “caso perdido”, faz uma constelação e em seguida é acolhido numa família substituta, com sucesso, retomando os estudos e o bom convívio social.
As constelações familiares, criadas pelo alemão Bert Hellinger como uma abordagem terapêutica, hoje são reconhecidas como uma ciência dos relacionamentos humanos, utilizadas de diversas formas e em inúmeras áreas (como na educação, na assessoria empresarial, no marketing e na saúde). Através de seus muitos recursos, desde posturas, frases discretas e exercícios de visualização até a constelação propriamente dita (posicionamento de representantes das pessoas envolvidas em um conflito e de membros de suas famílias), as constelações permitem que venham à tona as dinâmicas ocultas que conduzem as pessoas a relacionamentos conflituosos e atos violentos, movidas pelos vínculos inconscientes com seus antepassados familiares.
Revelam-se, na constelação, as “ordens do amor” descobertas por Hellinger, que são leis sistêmicas que regem as relações e padrões inconscientes de comportamento. O conhecimento de tais leis sistêmicas nos conduz a uma nova visão a respeito da vida, do direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando soluções harmônicas e satisfatórias para todos os envolvidos - especialmente para os filhos, que então não mais estarão sujeitos ao mesmo “emaranhamento sistêmico” que determinou o padrão de conflito dos pais.
O conhecimento das ordens do amor permite a compreensão das dinâmicas dos conflitos e da violência de forma mais ampla, além das aparências, facilitando ao julgador e às partes em conflito adotarem, em cada caso, o posicionamento mais adequado à pacificação das relações envolvidas.
Essa abordagem pode ser utilizada como ferramenta de trabalho não apenas por juízes, mas também por mediadores, conciliadores, advogados, membros do Ministério Público e quaisquer profissionais cujo trabalho tenha como objetivo auxiliar as pessoas na solução de situações conflituosas. E o potencial disso fica evidente a partir do atual movimento de criação de Comissões de Direito Sistêmico, com grupos de estudo e prática, em inúmeras seccionais da OAB.
A constelação familiar é uma prática séria e profunda, que necessita de profissionais responsáveis e bem capacitados. O cuidado na seleção e capacitação dos profissionais é recomendável, como em qualquer profissão que lide com os relacionamentos e emoções humanas. Porém, os questionamentos e críticas se devem, principalmente, ao desconhecimento do que sejam as constelações, que não se confundem com psicoterapia ou religião.
Constelar um processo ou as partes não significa que estas tenham que expor qualquer intimidade, ou que o juiz vá se imiscuir em atividades próprias de um psicólogo. Pode-se fazer uma constelação sem uma única palavra, bem como tratar de temas delicados com constelação, em grupos, tocando em pontos sensíveis de várias pessoas sem falar de quem se trata e sem saber de qualquer detalhe relativo a fatos narrados nos autos.
Assim, achar que as constelações familiares se limitam a uma atividade profissional específica, semelhante a uma consultoria, sessão de coaching ou de terapia, demonstra desconhecimento da filosofia e da abordagem desenvolvida por Hellinger, e falar das constelações como se fossem uma mera técnica seria reduzir o seu significado e seu potencial.
Ao profissional dedicado ao direito sistêmico, fundamental é que se tenha internalizado em sua própria vida, alma e postura as ordens sistêmicas descobertas por Hellinger e que promovem a paz nos sistemas. É esta a alma do direito sistêmico.
É natural que alguns prefiram continuar com as mesmas tradicionais formas de operar o direito. É essa a postura mais conservadora e segura (principalmente para os próprios profissionais que resistem às adaptações e aprendizados que os novos tempos impõem). Estranho é esperar que das mesmas formas advenham resultados melhores que os já obtidos.
Aos que buscam sempre melhores práticas com vistas aos melhores resultados na resolução de conflitos, recomenda-se conhecer bem as constelações e o direito sistêmico.
Publicado em Julho 2018 na Carta Forense por Sami Storch: - http://www.cartaforense.com.br/m/conteudo/artigos/constelacao-familiares-e-judiciario-reflexoes-positivas/18232
Conheça a constelação
sistêmica, terapia que ganha cada vez mais adeptos.
Usada
no processo do próprio conhecimento e na solução de conflitos em diversas
áreas, seja pessoal, seja profissional, a constelação foi até adotada pelo SUS.
Às
vezes, não importa o quanto andamos, algo sempre nos puxa para trás. Um assunto
não resolvido, um problema que foi jogado para debaixo do tapete, um medo
irracional ou, até mesmo, uma dor sem explicação: tudo pode ser o emaranhamento
de uma vida entrelaçada. Ou de várias vidas. É assim que pensam os
consteladores sistêmicos, indivíduos que seguem uma linha filosófica espiritual
baseada nos ensinamentos do terapeuta alemão Bert Hellinger, que identificou
forças naturais que agem sobre as pessoas e podem interferir na trajetória
delas. Essas interferências, acredita, podem ter causas intrínsecas nas
gerações atuais ou até em encarnações passadas.
Na
teoria, o assunto é complexo. Mas, quando aplicado na prática, as coisas
simplificam, como garante Clarissa Vargas, 32 anos, que é taxativa: “A
constelação familiar mudou a minha vida”. A atriz e apresentadora da TV Escola
diz que a terapia a curou de dentro para fora, em um processo de
autoconhecimento. “Ainda estou na busca, mas aprendi que nascemos com memórias
celulares e em sistemas familiares, nos quais assumimos, muitas vezes, papéis
que não são os nossos”, simplifica.
A
psicóloga Luci Bernardes Barros é especialista em gestalt–terapia e atua na
área há 18 anos. Nos últimos seis, também tem se dedicado à constelação
sistêmica. Luci explica que se trata de uma terapia transformadora,
essencialmente vivencial e fortemente referenciada nas sensações corporais, no
sentir e no olhar. E vai além: a técnica mudou e ampliou muito sua prática e
postura clínica.
De
acordo com ela, é uma abordagem sistêmica e fenomenológica, que, em um único
encontro, pode vir a descortinar uma dinâmica muitas vezes oculta no sistema
familiar. “Não há lógica na constelação familiar, pois é uma filosofia
profunda, que atua num nível de alma”, completa.
Clarissa
Vargas garante que, em sua experiência com a constelação, aprendeu que o
essencial é ter gratidão e aceitação “para que os vínculos doentios possam se
desfazer de forma natural e energética, sem dor, apenas com sua permissão”. Ela
também percebeu, enquanto ouvinte de outras constelações, o quanto recorrer a
profissionais de qualidade faz toda diferença. “Percebo que os resultados podem
emergir com mais efetividade quando o profissional tem, antes de diplomas de
vários cursos aqui e acolá, verdadeira sensibilidade”, avalia.
Transformação
Para
Clarissa, vale a pena investir nesse processo de autoconhecimento, pois as transformações
na vida são gigantescas. “Não conheço outra terapia tão assertiva. Eu discutia
com minha mãe por tudo, não conseguia emprego que me pagasse o que eu sentisse
que merecia, não aceitava uma gravidez não planejada que tive e me sentia
deslocada, sendo brasiliense de família gaúcha. Hoje, minha relação com minha
mãe é de ampla admiração. Reconheço que a força feminina dela está em mim e,
sem isso, eu não teria o impulso interno que tenho de lutar pelas coisas”,
analisa.
A
psicóloga e doutora Adriana Barbosa, seguidora da escola psicanalítica de
Sigmund Freud, admira a técnica da constelação familiar, mas acredita que não
há nenhuma comprovação científica de que ela realmente funcione como uma
terapia tradicional. “Sou muito cética, mas ouço relatos de pessoas que
realmente se sentiram curadas com a constelação. Admiro o trabalho dos
terapeutas nessa área, mas, como digo, é algo alternativo, que, com certeza,
ajuda muito na busca do autoconhecimento, mas jamais deve tomar lugar da
genuína psicoterapia, do divã, das sessões com psicólogos formados”, acredita.
O criador
Antigo
padre e missionário junto aos zulus, na África do Sul, o alemão Bert Hellinger
é educador, psicanalista, terapeuta corporal, familiar e de grupos. Um homem
com muita sabedoria e experiência de vida, segundo seus seguidores. Como viveu
durante muitos anos em situações conflituosas, como soldado durante a Segunda
Guerra Mundial, e depois se tornou padre, essas experiências tiveram um
profundo efeito no desenvolvimento das constelações familiares. Bert Hellinger,
hoje com 92 anos, escreveu mais de 84 livros, traduzidos em 30 idiomas. O seu
trabalho está documentado em numerosos CDs e DVDs
Do trabalho ao lar
Poli
Halfeld, 59 anos, é proprietário de um salão de beleza que mudou muito. O lugar
não passou por reformas físicas, o dono não gastou um centavo com troca de
mobília, mas quem entrou no local depois das sessões de constelação feitas por
ele e seus funcionários percebeu transformações. “Quando cheguei ao trabalho,
depois da ser constelado, já senti um clima diferente, uma coisa muito
interessante. As pessoas estavam mais interessadas em trabalhar juntos em uma
proposta”, conta.
Tudo
começou quando Poli conheceu a constelação e viu nela a oportunidade de mudar
aspectos da vida que o incomodavam, começando por questões familiares. “Tenho
três irmãos e cada um de nós mora em um lugar do país. A gente raramente se
via, de vez em quando um aparecia na casa do outro, mas se reunir como família,
não”, explica.
Para
se conhecer melhor e entender os motivos dessa distância, ele fez uma sessão de
constelação familiar e, a partir daí, as atitudes que ele vinha tomando
começaram a ser melhor observadas. As escolhas foram analisadas e cada parente
passou a ter uma atenção especial de Poli. “Eu me sentia envergonhado de ter
sobrinhas já formadas que não conhecia. Isso é muita desconexão, porque são
filhas do meu irmão, que é um homem superquerido e adorado pelas pessoas, mas
eu não tinha essa conexão com ele.”
A
terapia foi um grande norte para mudar as relações do empresário, que começou a
ter aprendizados que inverteriam aquela situação. “A primeira coisa que aprendi
foi a não ficar lamentando o passado. É preciso reconhecer o que aconteceu, mas
seguir em frente, porque o passado não tem como mudar — nem se ficarmos
remoendo.”
As
diferenças do antes e do depois da constelação foram nítidas: “Nós já estamos
marcando o nosso terceiro encontro. Parece que minha família voltou a ter um
núcleo. Era cada um por si, muito desligados, principalmente eu, que me sentia desconectado”,
conta.
Após
ver todas essas ligações funcionarem, Poli passou a indicar a terapia a todos,
tanto que os funcionários do seu salão também tiveram a chance de viver a
experiência. “Depois da constelação empresarial que fizemos, tem uma coisa que
acontece que não sei explicar o que é — algo em nível energético —, que te faz
sentir conectado de novo. Eu sentia as pessoas divididas aqui no salão, hoje as
vejo mais integradas”, detalha.
Saúde pública
Em
março, o SUS reconheceu os benefícios da constelação familiar, colocando a
terapia como uma das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) ofertadas
nas unidades de atendimento. A decisão é polêmica e vai além: em 2006, os cinco
primeiros procedimentos alternativos foram incluídos no PICS — acupuntura,
homeopatia, fitoterapia, antroposofia e termalismo —; em 2017, mais 14 práticas
entraram na lista; e em 2018, mais 10. Hoje, 29 recursos terapêuticos são
oferecidos em 9.350 estabelecimentos e 3.173 municípios. A relação completa
está no site do Ministério da Saúde.
Por dentro da sessão
Uma
constelação pode ser realizada em grupo ou individualmente. No método
individual, são utilizadas representações simbólicas, que podem ser bonecos,
cartas, almofadas, entre outros elementos. Nesse caso, explica Luci, ocorre uma
sinergia muito grande entre terapeuta e constelado, pois o processo e as
imagens internas de quem está sendo tratado podem ser atentamente acompanhados
pelo constelador, por meio da observação corporal, da expressão dos sentimentos
e das falas.
Já
quando a terapia é aplicada em grupo, deixam-se de lado esses elementos
representativos e são os participantes da sessão que simbolizam os laços
familiares e as situações de conflito. Ou seja, em vez de o constelado eleger,
por exemplo, uma carta, uma almofada ou um boneco que simbolize o pai, ele
escolhe um indivíduo do grupo para isso.
De
acordo com a filosofia que rege essas ações, nada disso é por acaso: o
escolhido pode nem conhecer o problema da pessoa que está sendo tratada, mas
vai viver ali situações importantes também para si. Assim, apesar de apenas um
indivíduo ser a constelado naquele grupo, os demais também vivem um processo
terapêutico.
Para
a psicóloga Luci Bernardes Barros, as duas formas de constelar são eficazes e
amorosas. Ela relata que, em ambas, cria-se um campo energético. Quando em
grupo, os participantes, em geral, não tem nenhum prévio conhecimento entre
eles nem sobre o assunto a ser trabalhado. Após compartilhar o tema com o
grupo, a pessoa a ser constelada escolhe representantes para si e para seus
familiares. Os representantes conseguem acessar informações inconscientes de
cada elemento ou familiar representado.
O
campo familiar que é acessado numa constelação pode ser comparado a uma
consciência que contém todos os dados relevantes daquela família. Todos os
representantes e participantes são influenciados, neste momento, por esse
campo, independentemente de vontade ou escolha, segundo relata Luci Bernardes.
Campo energético
O
cientista inglês Rupert Sheldrake denomina este campo de morfogenético. Assim,
quem representa uma pessoa entra em contato com a história dela. Ele afirma que
o campo sistêmico é muito poderoso, todos se beneficiam e entram em movimento
de cura. A psicóloga esclarece, ainda, que a constelação é um método isento de
crenças religiosas ou de quaisquer experiências místicas ou sobrenaturais. “A
vivência não substitui nenhum tratamento médico ou psicológico, mas os complementa”,
adverte Luci Bernardes.
Ela
salienta que essa terapia pode ser capaz de liberar sentimentos dolorosos que
marcaram um comportamento familiar e que podem estar atraindo outros membros
para uma repetição em gerações posteriores. “Muitas vezes, um neto ou bisneto
poderá, por amor, repetir, de forma inconsciente, esse destino”, reflete. Na
opinião da psicóloga, a constelação não dá respostas, mas ajuda as pessoas a
olharem para questões importantes que, muitas vezes, podem estar bloqueando o
fluxo de amor em suas vidas.
O
interessante, para a consteladora, é que o método revela as ordens do amor que
precisam ser respeitadas, para que os padrões doentios não se repitam. Essas
ordens referem-se a três princípios norteadores — pertencimento, equilíbrio e
hierarquia. “Segundo Bert Hellinger, o amor é a maior força da existência. O
fluxo do amor é interrompido, principalmente, com o julgamento e o desrespeito.
Todo desrespeito gera desordem e desarmonia”, completa Luci Bernardes.
Sintomas da desordem
Os
estudos da constelação dizem que existem ordens que regem as interações
familiares: cada membro tem seu papel e suas atribuições dentro desse sistema,
mas Larissa Oliveira, 30 anos, era uma das pessoas que não sabia disso. Como
não teve a presença paterna dentro de casa, a secretária parlamentar acabou
pegando para si responsabilidades e atribuições que não eram dela e descobriu
que quem carrega muito peso, uma hora, sente as dores.
“Comecei
com a acupuntura para resolver uma dor nas costas. Também vinha me tratando com
reiki. A minha terapeuta reikiana disse que seria legal fazer uma constelação
familiar. Eu fui com o intuito de descobrir por que eu adoecia a toda hora.”
A
cada sessão, Larissa ia descobrindo os motivos das disfunções do corpo,
relacionados a problemas de desordem na família. Ela passou a observar melhor
suas atitudes, seu jeito de se portar diante das situações e sua posição nos
conflitos, o que a fez perceber que a frieza da racionalidade nem sempre é a
melhor opção. “Hoje, vejo que tem mais coração em tudo o que faço, consigo
olhar para as coisas com mais sentimento, que antes eu bloqueava muito. Por
precisar ter sido a pessoa forte da família a vida toda, que resolvia tudo, eu
me tornei muito prática, mas com pouco sentimento”, conta.
Esse
autoconhecimento construído na constelação foi fundamental na vida da
secretária, que se tornou outra pessoa sem os pesos que carregava. “As pessoas
ao meu redor viram muita diferença em mim. Mais serenidade, tranquilidade,
encarando tudo com mais leveza”, lembra. Com a ordem familiar estabelecida,
Larissa conseguiu se livrar das dores que a levaram para sua primeira sessão,
mas não pode falar que terminou a terapia sem sentir nada, pois foi justamente
o fato de conseguir sentir mais que a transformou.
“Começar
a ter mais sentimento é assustador em um primeiro momento. O processo de se
conhecer traz muitas descobertas, então, nesse começo, a gente pensa: ‘Mas eu
nunca senti isso, por que isso está acontecendo?’ E agora vejo o quanto isso é
bom, porque a gente passa a fazer as coisas com o coração.”
Capacitação
Não
existe uma só formação possível para se tornar um constelador, mas tem surgido
no Brasil uma organização cada vez maior na área, com aproximações científicas.
É isso que explica Miriam Coelho Braga, consultora organizacional e terapeuta
corporal. “Existem muitos treinamentos e informações. Eu, por exemplo, coordeno
um curso de pós-graduação em constelações, o primeiro do Brasil a nível
acadêmico. Esse é um conhecimento que o profissional precisa, porque ele dá
sustentação teórica na ciência, bases práticas e, sobretudo, uma ética”,
justifica. A experiência de Miriam mostra que o caminho é sempre se
profissionalizar ao máximo para essa área, já que ela envolve os mais profundos
sentimentos e sentidos dos clientes. “É algo sensível, porque o cliente pode
surtar se não tiver um profissional capacitado com ele.”
Mediando vidas
Elisângela
Barbosa, 44 anos, estava divida entre qual rumo tomar: se seguia a carreira
profissional ou a abandonava para se dedicar exclusivamente a fazer
constelações. No meio desse dilema, uma desconhecida foi quem a ajudou na decisão:
“Eu estava andando na rua com aquele pensamento e, de repente, apareceu ao meu
lado uma mulher que eu nunca tinha visto, com aparência de cigana, me tocou o
ombro e me ofereceu uma flor — metade das pétalas era laranja e a outra metade
vermelha. Então, a moça me falou: ‘Continue nos dois caminhos’. E seguiu
andando”, conta.
Foi
assim que a consteladora conseguiu aliar ambos os trabalhos e vivências para
ajudar em processos familiares, individuais e até empresariais. “A vida foi me
levando para um caminho holístico porque, ao mesmo tempo em que atuava como
assistente social e psicopedagoga, eu tinha as dores familiares da ausência do
meu pai, da força da minha mãe em precisar dizer que ele nos abandonou... E
todas essas dores, me levaram a chegar até a constelação.”
Fazendo
essa terapia há cinco anos, Elisângela já ajudou gente com os mais diversos
problemas. Marcam sessões com ela pessoas que querem entender a depressão, as
doenças físicas, as relações com membros da família e até a dificuldade de andar
de bicicleta ou dirigir. Os métodos são complexos e envolvem as teorias de Bert
Hellinger, mas, na prática, tudo flui em harmonia para que se alcance o tema de
quem participa.
Elisângela
trabalha os dois métodos. “Faço a constelação individual — com os bonecos — e
em grupo — com pessoas”, explica. Mas, para ela, o segundo é mais interessante
por sempre reunir pessoas com dificuldades comuns, mesmo que os presentes no
dia não se conheçam: “Quando começo a montar a cena da constelação, chegam
pontos de dores e sentimentos das emoções de todo mundo presente.”
Guia
Embasada
em todos os conhecimentos sobre as teorias da constelação que adquiriu nesses
anos, Elisângela explica que seu trabalho é apenas guiar a pessoa constelada,
mas isso exige a sensibilidade de observar mais do que ela percebe. “Sou apenas
uma mediadora na constelação, faço uma leitura que está no inconsciente dela a
partir da cena que ela mesma me trouxe”, detalha. O que acontece a partir daí,
garante, vai depender de cada caso, todos devidamente explicados pelas ordens
do amor e suas leis do pertencer, do dar e receber e da hierarquia.
“Bert
Hellinger descobriu que existe uma memória sistêmica familiar e, quando algo
não é resolvido lá atrás, algum membro para a frente vai tentar resolver. Vamos
dizer que a mãe se separou do pai e ele foi excluído. Pelas leis que Bert
construiu, ninguém pode ser excluído. Então, se ele foi, alguém para a frente
vai tentar incluir esse homem de alguma maneira. E a forma mais prática que a
alma da pessoa vê para incluir esse membro é copiando comportamentos dele, de forma
inconsciente.”
Visão Sistêmica
Cada
pessoa reage de uma forma diferente diante do novo e do desconhecido. Há, por
exemplo, aqueles que só querem distância — talvez por medo ou insegurança —,
aqueles que entram de cabeça para saber do que se trata — com uma curiosidade
aguçada —, e os que desdenham, mas não abrem mão de conhecer melhor aquele
universo, como Cláudio de Jesus, 45 anos.
O
advogado não acreditava muito nas transformações da constelação que tanto lhe
falavam, mas também não se fechou a ponto de não querer saber daquilo. Quando
uma amiga que tinha feito essa terapia o chamou para uma sessão em grupo, ele
foi com a cabeça aberta e presenciou de corpo e alma aquelas energias.
“Fui
chamado para integrar o desenho da constelação de uma pessoa. Então, entrei
para o grupo familiar dela e assumi o papel de um indivíduo que não gostava
dela — mas eu não sabia disso. Ela me posicionou ao lado da pessoa que a
representava na constelação e meu braço, imediatamente, ficou dormente. A
partir daí, minha descrença caiu por terra.”
Essa
primeira experiência fez com que Cláudio compreendesse a terapia na prática —
coisa que, a partir dali, foi sendo levada adiante por ele em sua vida e em seu
escritório. “Eu comecei a ficar curioso e a participar de várias constelações.
Muita coisa mudou, porque aprendi a interpretar as relações. Recentemente,
atendi um pai que estava tendo problema com a filha, que, para mim, era uma
questão constelar. A orientação que dei me dispensou como advogado, mas ele
saiu extremamente agradecido e emocionado”, relata.
A
constelação, de fato, tem sido aplicada com frequência no campo da advocacia,
inclusive com juízes usando-a para ajudar os envolvidos nos casos a compreenderem
os motivos dos seus conflitos e a pensarem em alternativas. Mas isso não é
novidade para Cláudio. “Estão falando muito agora sobre o direito sistêmico,
mas eu sempre fiz isso, só não sabia que era constelação. Sempre achei que as
relações no direito de família, por exemplo, são frutos de um problema de
constelação familiar. As pessoas se aproximam e se distanciam, mas precisam
entender o porquê disso.”
A serviço da Justiça
Se
existe uma terapia que busca solucionar conflitos familiares, por que não
aplicá-la na advocacia? Essa pergunta foi feita por vários advogados e juízes,
como o criador da expressão, o juiz baiano Sami Storch, que enxergou nos
tribunais e escritórios uns dos lugares mais propícios para implementar essa
técnica, como explica Luciana Pereira da Silva, advogada atuante no direito de
família. “Começou a se perceber que usar mecanismos paralelos pode ajudar no
encerramento de demandas judiciais, evitando maiores traumas para as partes
envolvidas, especialmente no direito de família. A utilização dessa técnica
passou a se oficializar em alguns tribunais, reduzindo drasticamente o número
de processos em que não se chegava a um acordo. Aqui em Brasília, o TJDFT
divulgou em 2016 oficialmente a utilização das constelações familiares para
resolução dos conflitos processuais que estavam sob sua competência. E, no ano
seguinte, apontou o número de acordos em 61% dos casos”, explica Luciana.